sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Palmus

Alias, todos no recinto, assim como nosso amigo e o senhor do lado de fora da cabana, possuíam longos braços finos que acabavam em mãos desproporcionalmente grandes com cinco dedos e membranas que ligavam um ao outro. Seus pés eram a mesma coisa e era muito dificil calçar as botas e sapatos, que apesar de serem grandes, exprimiam as membranas entre os dedos. Seus corpos eram curtos, lembrando um barril de cerveja, e a cara daqueles seres era grudado em seu tronco sem nem mesmo um pescoço para separar um do outro. As roupas deles estavam sempre molhadas já que respiravam pela pele que devia estar sempre molhada para manter a temperatura do corpo. Precisavam beber muita água, ou hidromel que além de aumentar suas reservas de líquido também os deixavam bêbados. Um dia, um grande cientista antropológico daquele mundo fez uma grande descoberta muito comentada e controversial, os seres humanos tinham evoluído de sapos. Era muito estranho ver todos vestindo roupas, elas não eram nada confortáveis, muito pelo contrário, ficavam tão ensopadas que dificultavam o movimento além de todos exalarem um cheiro horrível. Que se não fosse o nariz pouco desenvolvido dos seres humanos seria impossível aguentar aquele odor.
Ele atravessou todo o salão em direção ao balcão e pediu um copo grande de hidromel a um garçom que ele jamais tinha visto ali. Até que a bebida chegasse ele ficou sentado olhando cada pessoa e cada canto dentro do bar. Procurava sinais de quanto tempo ele teria passado dentro da escuridão e só não tinha ido falar com o velho Giligan por não estar muito preparado para ouvir o tempo exato. Muitas pessoas ali lhe eram familiares e nenhuma delas possuía alguma característica de que muito tempo houvesse passado. Quando o hidromel chegou ele logo bebeu tudo com um gole só e não tinha percebido até então como sua pele estava seca. Como sistema de proteção do próprio corpo dos seres-humanos, quando ficamos muito desidratados camadas de nossa pele se soltam morrendo e protegendo um pouco as camadas de baixo. Mas isso não dura para sempre, quando a última camada se solta só temos carne viva debaixo e uma morte feia e dolorosa se segue a pessoa desidratada. Eram algumas camadas soltas de pele morta que ele tinha no braço e só percebeu depois de beber todo o copo e ainda sentir cede. Pediu outro copo e assim que o garçom virou tentou limpar as peles mortas com cuidado já que tinha medo do quão desidratado ele poderia estar. Para seu alivio e sorte, possuia apenas duas camadas que logo se esfarelaram com o movimento de seus dedos. Depois de cinco copos já sentia sua pele úmida e hidratada de novo, mas seu estômago roncava de fome. Pediu um cabrito arrevue e mostrou a mesa onde se sentaria para o garçom. Escolhera um lugar meio escondido, longe da multidão e perto das janelas que não tinha raios de sol passando por elas. Se sentou de costas para todo mundo e esperou fingindo estar olhando para fora da janela. Quando o garçom chegou com o prato sentiu muita dor em seu estomago que se estendia e se preparava com os sucos gástricos para receber a comida. O cabrito arrevue é um prato muito apreciado pelos humanos. Tipicamente é servido com folhas de alface, tomate, batatas cozidas, bacons e um tempero especial feito de pimenta verde com gengibre. E apesar do nome cabrito arrevue -que ninguém sabe da onde vem o nome- é apenas o tronco do cabrito, sem as partes da cabeça ou das pernas. Ele terminou sua refeição ao mesmo tempo que a festa atingiu o clímax, além dele já não se viam mais ninguém nas cadeiras e ou nos bancos do balcão. Até mesmo Giligan, aquela hora da noite, já tinha deixado suas piadas de lado e estava dançando com sua mulher Afranka que era tão gorda quanto o próprio marido. Apesar de não possuir nenhum pescoço, tinha dois queixos de tão obesa e seus braços, se comparado ao de um ser-humano normal, não eram nada finos. De começo ele só tinha visto a cabeça dos dois, mas conforme a dança continuou e as pessoas saíram da frente pode ver os dois de corpo inteiro e seu coração gelou como se tivesse sido mergulhado nas terríveis e geladas águas do norte. Giligan não tinha metade da perna direita, o que restara dela, tinha um pedaço de pau no final. Dançava com dificuldade triplicada por que além de faltar-lhe a perna também estava bêbado como um porco, sua mulher o apoiava em seu corpo e os dois balançavam ridiculamente. Então ele pensou como seria impossivel alguém que tivesse a perna decepada em um dia pudesse estar dançando no outro, ou pior ainda. Demoraria meses para que alguém pudesse se recuperar disso, não só fisicamente, mas psicologicamente também. Agora não haviam dúvidas de que ele estivera fora por muito tempo, talvez não anos, mas meses com certeza. Levantou imediatamente sem saber se a coragem que estava sentido vinha da vontade de saber a verdade ou se era o efeito de cinco copos de hidromel.
Se aproximou de Giligan e Afranka e disse:
-Madame, me conceda a oportunidade de trocar uma palavra com seu velho marido e meu querido amigo por um segundo. - O rosto de Afranka empalideceu, deixou o queixo cair, os dois alias, e ficou com a boca aberta, mas ainda assim, se balançando ridiculamente no ritmo da música.
- Vovovo....você?- Disse ela dançando. Giligan virou o rosto que até então estava encostado em sua mulher para tentar ver com quem ela estava falando. Se ele não tivesse muito bebido teria facilmente feito aquilo que, naquele estado em que se encontrava, parecia uma manobra muito complicada. Levantou a cabeça se apoiando em sua mulher e disse:
- Quem é aquele que.... - E ambos pararam de dançar enquanto olhavam para ele. - Mas que diabos! Que as águias de Kurlak furem meus olhos e os joguem nos mares revoltos e ferventes do sul se o que estou vendo for verdade! Como posso ter diante de mim Palmos, desaparecido por seis meses? Será mesmo possível que não esteja morto depois de tudo que sucedeu? - Palmos abriu a boca para dizer algo, mas ainda estava atonito pela quantidade de meses perdidos em sua vida. - Pois bem, que se isso for verdade então os Deuses devem devolver minha perna também, nada mais justo não é mesmo. - Disse esperando uma resposta de sua mulher que, infelizmente, ainda estava tentando pronunciar a palavra você.
Giligan se soltou dos braços de sua mulher e caminhou com dificuldade em direção de Palmos. Ao ficarem frente a frente colocou as duas mãos no rosto de seu amigo que sentiu uma certa nausea pelo cheiro de hidromel com suor.
-Ah!- Giligan exclamou recuando suas mãos. - Mas isto não é ectoplasma ou nenhuma matéria dos infernos! É tudo osso e carne! És tu mesmo? Palmos? Meu amigo?
Palmos não conseguiu se manter sério e levar sua preocupação além daquele ponto dando um sorriso para o velho Giligan. Não sabia se ele teria reagido da mesma forma se não estivesse bêbado. Aquela altura algumas pessoas no bar já tinham percebido que algo acontecia ali, mas nenhuma delas tinha parado, observavão ao mesmo tempo que continuavam dançando.
-Venha! Vamos nos sentar, aposto que você tem muitas histórias para contar! - 

terça-feira, 20 de julho de 2010

A Cratera de Pelor

Durante muitos anos houveram conflitos intermináveis nas fronteiras do norte perto da cidade de Beltrar. Algumas foram tão importantes para a definição da historia quanto foram sangrentas. Muitas das regiões mudaram de nome depois de grandes batalhas. Como o Pico Kalamar, que depois da luta entre o povo Druida do norte e os anões da fronteira, começou a se chamar Pico dos Pequenos Gigantes, já que os anões trucidaram todos os Druidas sem muitas baixas em seu exercito. Houve também o Vale da Brisa, que se chamava assim por ficar no pé de uma escarpa em contato com o mar onde o fenômeno de inversão térmica ocasionava brisas suaves à noite para os navegadores, mas que mudou de nome depois do Rei de Beltrar exterminar o exercito de mortos-vivos de um necromante renegado e passou a se chamar Vale dos Ossos. Mas de todos os eventos que aconteceram lá, o mais importante e que mudou - não só o nome – mas a paisagem também, foi à batalha de vinte minutos.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Seres-Humanos

E ele estava lá. Sentindo o ar gelado da floresta e a terra fria e morta tocando seus pés. Mexendo suas mãos e suas pernas percebeu que realmente estava presente naquele local, do mesmo jeito que tinha certeza ter estado presente na escuridão sem fim. Tentou abrir os olhos, mas eles já estavam abertos. Então, sem pensar muito bem, fechou seus olhos e tudo ficou preto, com medo de ficar preso mais uma vez no escuro, os abriu rapidamente voltando a ver a floresta mais uma vez.
De repente escutou o estalar de dedos de um senhor na varanda do Giligan's. Eram estalos ritmados como se fossem o acompanhamento de uma música e podia escuta-los sem problemas já que a música e as risadas da festa do bar era abafado pelas janelas e portas fechadas. O senhor estava encostado na parede entre uma janela e uma porta. A luz do sol que conseguia vencer as nuvens que enchiam o céu chegavam até o Giligan's, mas não passavam entre a madeira do teto da varanda, projetando uma sombra exatamente acima das botas de couro dele. Ele só conseguiu deduzir que o velho usava um chapéu pela sua silhueta no escuro e que era um realmente um velho pela sua barba branca que era menos preta do que tudo em sua sombra.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Giligan's

Três passadas foi o que ele deu antes de parar. Não conseguia enxergar nada e continuar andando seria loucura. Estava pouco lúcido e mantinha os olhos abertos com dificuldade como quem acaba de acordar depois de um longo sono. Também sentia aquela típica vontade de virar e voltar a dormir, mesmo se sentindo descansado. Mas ele não podia voltar a dormir. Estava em pé, sem saber aonde. Olhava, sem saber para o que. Não fazia a mínima ideia de como tinha chego até lá e demorou um pouco até que seu cérebro conseguisse se livrar do estupor e raciocinar alguma coisa que fizesse sentido. Devemos lhe dar crédito já que é impossível tirar sentido de uma situação que não faz sentido algum e mesmo seu cérebro acordando, a escuridão e o silêncio contribuíam para a confusão em sua mente.
Por um momento começou a pensar que talvez não tivesse realmente acordado, mas sentia perfeitamente o chão duro e frio tocando seus pés descalços. Não era um frio que os congelasse, só fazia cócegas e  que ele desejasse poder pisar em um tapete quentinho e confortável. Tentou dar mais alguns passos esticando bem os pés para ver se sentia algo antes de pisar firmemente no chão. Também esticava os braços tateando o escuro sem conseguir tocar em nada. Desistiu de andar assim e achou melhor ficar de quatro procurando as paredes daquele aposento, se fosse um aposento, para chegar até o interruptor. Começou a lhe incomodar o fato de ter andado uma distancia considerável e não ter tocado nem esbarrado em nada, nem sequer um móvel. Pior ainda era o fato da textura e inclinação do chão nunca mudarem, ele continuava reto, liso e frio por metros e mais metros, não haviam degraus, era como se ele estivesse se arrastando por um lago gigantesco congelado, mas o chão não era tão frio como gelo.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

No começo do mundo...

"E, de fato, parecia mesmo Nada. Não havia uma única estrela. Era tão escuro que não se enxergavam; tanto fazia ficar de olhos abertos ou fechados. Sob seus pés havia uma coisa fria e plana, que podia ser chão, mas que não era relva nem madeira. O ar era seco e frio e não havia vento." C.S. Lewis - O Sobrinho do Mago
É assim, tomando por emprestado um dos versos de Lewis na obra prima de sua vida, que começo o meu simples e humilde blog sem muita pretensão. A escolhi porque justamente hoje está um dia muito frito, seco e sem vento, como ele descreve. Estou usando uma camiseta, uma camisa e duas blusas, mais ainda sim posso sentir o ar frio entrando pelos buracos das mãos, do pescoço e da cintura, sem deixar que meu corpo alcance uma temperatura confortável. E foi hoje que decidi começar um novo mundo em um blog num canto escuro e longínquo da internet.