sexta-feira, 16 de julho de 2010

Giligan's

Três passadas foi o que ele deu antes de parar. Não conseguia enxergar nada e continuar andando seria loucura. Estava pouco lúcido e mantinha os olhos abertos com dificuldade como quem acaba de acordar depois de um longo sono. Também sentia aquela típica vontade de virar e voltar a dormir, mesmo se sentindo descansado. Mas ele não podia voltar a dormir. Estava em pé, sem saber aonde. Olhava, sem saber para o que. Não fazia a mínima ideia de como tinha chego até lá e demorou um pouco até que seu cérebro conseguisse se livrar do estupor e raciocinar alguma coisa que fizesse sentido. Devemos lhe dar crédito já que é impossível tirar sentido de uma situação que não faz sentido algum e mesmo seu cérebro acordando, a escuridão e o silêncio contribuíam para a confusão em sua mente.
Por um momento começou a pensar que talvez não tivesse realmente acordado, mas sentia perfeitamente o chão duro e frio tocando seus pés descalços. Não era um frio que os congelasse, só fazia cócegas e  que ele desejasse poder pisar em um tapete quentinho e confortável. Tentou dar mais alguns passos esticando bem os pés para ver se sentia algo antes de pisar firmemente no chão. Também esticava os braços tateando o escuro sem conseguir tocar em nada. Desistiu de andar assim e achou melhor ficar de quatro procurando as paredes daquele aposento, se fosse um aposento, para chegar até o interruptor. Começou a lhe incomodar o fato de ter andado uma distancia considerável e não ter tocado nem esbarrado em nada, nem sequer um móvel. Pior ainda era o fato da textura e inclinação do chão nunca mudarem, ele continuava reto, liso e frio por metros e mais metros, não haviam degraus, era como se ele estivesse se arrastando por um lago gigantesco congelado, mas o chão não era tão frio como gelo.
Andou por alguns minutos. Ou alguns dias, ou até mesmo anos. Já não sabia mais ao certo. Só parou quando suas mãos não aguentavam mais, mas não por causa do frio. Sua pele já tinha se acostumado com a temperatura. Elas estavam cansadas e doloridas de terem se arrastado por todo aquele tempo sem fim. Parou e deitou de barriga para cima deixando que suas mãos e joelhos latejassem e doessem com o sangue voltando a circular pelas extremidades. Achou que com o tempo seus olhos se adequariam a escuridão e ele poderia enxergar alguma coisa, mas estava errado. Em um certo ponto achou que tivesse ficado cego, chegou até a cogitar que teria ficado transparente também, que pudesse passar pelas coisas já que não conseguia tocar nada, mas podia tocar o chão e isso só já tinha lhe destruído a teoria. Com o passar do tempo também já não acreditava estar cego, afinal, ninguém fica cego de uma hora para outra, mas também ninguém aparece em um lugar do nada. 
Depois de cinco minutos com seu corpo parado decidiu parar de raciocinar também. Fechou os olhos, pelo menos achava que tinha fechado já que onde ele estava não havia muita diferença entre fecha-los e abri-los, e tentou visualizar as cores, pessoas, aromas e objetos de seu mundo natal. Logo começou a ver rabiscos de cores diferentes contra o fundo preto que eram suas pálpebras, ou assim ele achava. Os rabiscos não paravam, estavam sempre se mexendo, mudando de cor, tamanho e forma até que já não eram mais rabiscos. Aos poucos foram tomando formas diferentes e então ele começou a se esforçar para poder transformar aquilo tudo em um tritão. Aonde vivia os tritões eram muito comuns, são anfíbios muito semelhantes aos lagartos, possuem quatro pernas com um corpo estreito e comprido, além de uma calda distinta, como se fossem lagartixas, geralmente não ultrapassam quatorze centímetros de comprimento. No meio daquela escuridão e daquela explosão de cores, agora ele podia ver claramente um tritão amarelo com circunferências pretas nas costas com bordas vermelhas. Apesar dos tritões variarem em muitas cores, ele ficou espantado com sua própria imaginação já que jamais virá um tritão daquela cor. Começou a imaginar, e por consequencia, ver o animal se esticando com a língua para fora. Sem que fizesse esforço algum, começou a ver a floresta que era a casa daquela criatura. O lagarto começou a andar pelas folhas da floresta e depois parou para cavar. O curioso dos tritões é que eles passam o inverno no lodo ou subsolo e só saem na primavera. O que indicava que estava frio naquela floresta marrom, sem muito verde. De repente aquela visão estremeceu com a realização de que ele conhecia aquele lugar. Já estivera lá várias vezes, inclusive na noite anterior, ou será que foi em uma noite há muitos dias? Não sabia dizer ao certo, mas da ultima vez que andara pela aquela terra tinha ido até o Giligan's. E lá estava ele. O Giligan's! Era uma construção de madeira no meio de uma floresta morta pelo inverno. Construído ao pé de uma rocha gigantesca que suava água por causa da nascente de um rio, toda a parte daquela cabana que tocava a rocha tinha ramos e folhas verdes parecidas com palmeiras saltando de todos os lados. Era o contraste do verde vivo nas folhas da cabana com o marrom morto da floresta que atraia os viajantes e clientes habituais. De alguma maneira sentiam que estariam seguros lá, pelo menos era por isso que ele frequentava aquele estabelecimento todos os finais dos dias. Ficou por alguns segundos esperando que alguma coisa acontecesse. A floresta estaria muito quieta se não fosse o barulho de festa e conversa dentro do Giligan's. Com a sua mente tentou imaginar alguém saindo de lá e nada aconteceu. Então um mosquito se meteu em sua visão. Não era daqueles pernilongos pequenos que ficam zumbindo em nossos ouvidos no verão, mas sim um mosquito de inverno, ele era grande e gordo, voava com dificuldade e possui pêlos como se formassem um cachicol atrás da sua cabeça com milhares de olhos. Ele se assustou e por reflexo deu um tapa no mosquito que saiu voando se espatifando em uma árvore. Só então ele percebeu que aquilo tudo já não era mais uma criação de sua imaginação. Ele estava vivendo tudo.

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