segunda-feira, 19 de julho de 2010

Seres-Humanos

E ele estava lá. Sentindo o ar gelado da floresta e a terra fria e morta tocando seus pés. Mexendo suas mãos e suas pernas percebeu que realmente estava presente naquele local, do mesmo jeito que tinha certeza ter estado presente na escuridão sem fim. Tentou abrir os olhos, mas eles já estavam abertos. Então, sem pensar muito bem, fechou seus olhos e tudo ficou preto, com medo de ficar preso mais uma vez no escuro, os abriu rapidamente voltando a ver a floresta mais uma vez.
De repente escutou o estalar de dedos de um senhor na varanda do Giligan's. Eram estalos ritmados como se fossem o acompanhamento de uma música e podia escuta-los sem problemas já que a música e as risadas da festa do bar era abafado pelas janelas e portas fechadas. O senhor estava encostado na parede entre uma janela e uma porta. A luz do sol que conseguia vencer as nuvens que enchiam o céu chegavam até o Giligan's, mas não passavam entre a madeira do teto da varanda, projetando uma sombra exatamente acima das botas de couro dele. Ele só conseguiu deduzir que o velho usava um chapéu pela sua silhueta no escuro e que era um realmente um velho pela sua barba branca que era menos preta do que tudo em sua sombra.
- Hum Hum Hum - O senhor murmurou junto com os estalos dos dedos. - Aqueles que são tocados pela escuridão, na escuridão ficarão. Hum Hum Hum.- Quando fez menção de que abriria a boca para questionar, o velho continuou a estranha canção - Hum Hum Turum. E aqueles que saírem, normais jamais serão. Hum Hum Hum.
Um cala frio subiu pela sua espinha e um estranho sentimento de imenso perigo tomaram posse de sua mente quando o cantarolar do velho parou. Ficou esperando por alguns segundos que aquele voltasse a dizer alguma coisa, mas nada aconteceu. 
- Senhor? - Disse ele se movimentando para o lado tentando chegar a um ponto onde pudesse ver o rosto coberto pelo antigo chapéu de couro do senhor. Apesar de estar tentando ver melhor, em momento algum pensou em chegar perto daquela estranha figura. Chegou a um ponto onde a sombra do teto da varanda diminuiu e conseguiu ver o rosto do velho um pouco melhor. Possuía algumas rugas devido a idade, sua barba branca ainda possui alguns fios pretos e sua roupa lembrava a de um bandido do velho-oeste. Uma camiseta cujo vermelho tinha sido desbotado pelo tempo, um colete de couro preto sem nenhuma insignia ou detalhe que a destacasse e calças de couro preta como o colete. Só lhe faltavam as esporas nas botas marrons, mas o facão e a pistola estavam presente em seu cinto preto.
- Sente o medo no ar? - Ao ouvir de novo aquela voz rouca e profunda, levou um susto que não foi percebido pelo velho já que ele nem levantara o rosto para falar. - É o medo da criatura das sombras. Ela é muito corajosa, mas não é idiota. Não subestima seus inimigos e por isso é tão forte e viveu por tanto tempo.
- Pensou em questionar alguma coisa, mas deixou o senhor continuar. - Preste atenção nos sinais que virão aos seus olhos durante suas aventuras. Coisas criadas nas sombras que se transportam para o mundo que estamos agora. Elas te ajudarão a achar o caminho quando estiver perdido e perceber o ponto fraco até mesmo do inimigo mais forte.
Os dois segundos de pausa que se seguiram foram o suficiente para que ele juntasse coragem e conseguisse dizer:
-Como você sabe que eu estava em um lugar escuro antes de vir para aqui?- Mas não houve resposta. O velho apenas sorriu. Tinha todos os dentes no lugar, amarelos, mas estavam no lugar. Não conseguiu distinguir se era um sorriso camarada, de felicidade ou de pura ironia. Só sabia que aquela figura colocava muito medo no ar e apesar de sua aparência de velho, algo lhe dizia que ele era um ser mortal.  
- Infelizmente todos temos que ser testados antes que tudo possa ser explicado. Já lhe disse mais do que disse a todos os outros que já encontrei em suas primeiras viagens. Não exite em entrar no Giligan's e tomar um bom copo de hidromel quando eu tiver ido.
Antes que ele pudesse levantar algum questionamento ao velho percebeu que sua visão começara a ficar borrada. Já não o via o com muita clareza. Parecia que o estava vendo atrás daqueles vidros irregulares que transformam todas as formas que estão atrás deles. Então a imagem do velho começou a se esticar e se desfazer. Aos poucos ele começou a ver a parede do Giligan's atraves do corpo do velho que agora estava esfumaçado. Só então percebeu que não era a visão toda que estava ficando borrada, apenas o senhor. Ele estava desaparecendo aos poucos, se transformando em uma fumaça. Os pedaços da fumaça ficaram pretos fazendo o lembrar a escuridão na qual ele ficou por tanto tempo, ou seria por pouco tempo? Depois de alguns segundos iniciada a transformação, aquela figura estranha já não estava em lugar algum. Ele não conseguia nem sequer ver a fumaça que tinha se formado e desaparecido logo depois.
Não esperou ser engulido de volta pela escuridão ou que o senhor voltasse ou que mais alguma coisa de estranha acontecesse. Entrou no bar assim que se recuperou do acontecimento. Ao abrir a porta viu que a maioria das pessoas estavam em pé dançando, fazendo algum tipo de comemoração. Poucos eram os que estavam sentados nas mesas tomando ou comendo alguma coisa. Por dentro do Giligan's havia bem mais espaço do que se podia imaginar do lado de fora. Isso se devia ao fato de uma parte do bar ter sido construída metros a dentro da rocha. Lá no fundo, podiamos ver a pedra cinza e dura que fazia parte da rocha aparecendo onde não havia a madeira marrom e comum que revestia o estabelecimento. Giligan, o dono do local, não arrumara aquelas falhas porque davam um aspecto de fortaleza ao bar, além de criar um ambiente muito bonito e incomum. Normalmente os visitantes naquelas mesas que possuiam bancos encostados na paredes eram os mais ricos do local. Como fora construido tudo aquilo ninguém sabia dizer. Alguns diziam que o bar não tinha sido construido dentro da rocha, mas que a rocha tinha crescido do lado de fora do Giligan's. Agora, a historia do dono era diferente. O bar passou por várias gerações de Giligans e ele dizia que um de seus ancestrais, o mais velho que ele podia lembrar, furou a rocha com suas próprias mãos para o que no começo era acampamento de batalha. Dizia que quando as batalhas na área de Kraurlak acabaram, seu ancestral continuou servindo os soldados que passavam por ali e por fim, como ele mesmo tinha construido tudo, resolveu servir todos que precisassem e pudessem pagar pelos serviços, ficando por lá todas as gerações seguintes de Giligans.
Então lá no balcão a metros de distancia reconheceu o velho Gilligan bebendo muito e soltando gargalhadas com as piadas que ele mesmo contava para o monte de puxa-sacos que esperavam mais uma rodada de bebidas por conta da casa. Viu que ele não tinha mudado muito desde ontem - ou teria sido há muitos ontens? -quando o tinha visto pela última vez. Ele não era muito diferente de qualquer ser-humano, apesar de suas buchechas estarem rosas por causa do álcool em seu sangue, o verde em sua pele era comum a todas as pessoas. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Críticas ou elogios, tanto faz já que ambos são bem vindos, apenas deixe sua opinião com respeito. Trate os outros como gostaria de ser tratado.